Exposição de documentário do 11 de setembro
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Princípios gerais de redação
Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.
(Jesus)
A boa redação deve necessariamente respeitar a verdade. Falar a verdade e, mais
ainda, registrá-la por escrito é um dever ético, um ato de cidadania e de respeito aos direitos
humanos, indispensável na convivência social. Por isso, o texto escrito deve expressar
conceitos que julgamos verdadeiros. A mentira, o subterfúgio, o propósito de enganar não
podem fazer parte do nosso código de conduta. Quem escreve deve ater-se a fatos e
realidades, não podendo perder-se em fantasias, opiniões pessoais ou divagações.
Falta credibilidade ao texto que não seja verossímil, que contenha afirmações
genéricas, por exemplo: “O Brasil é um país atrasado, que nunca alcançará as grandes
nações”. Se o redator tivesse dados concretos (estatísticas, números), eventualmente poderia
desenvolver uma tese nesse sentido, mas ainda assim seria muito perigoso (do ponto de vista
da credibilidade) fazer afirmações tão largas, que podem ser desmentidas por outras em
sentido oposto.
Então, em vez de “chutar” uma opinião dessas, sem fundamento, é de boa técnica
redigir um texto mais contido, que se baseie em dados concretos e comprovados (também não
adianta citar estatísticas a esmo, extraídas de fontes duvidosas ou até de noticiários da
imprensa, que podem pecar pela falta de rigor científico). Quando se trata de textos jurídicos, é imposição legal que os fatos devem ser
expostos em juízo conforme a verdade; não podem ser formuladas pretensões, nem alegada
defesa, destituídas de fundamento (artigo 14 do Código de Processo Civil); a lei pune o
litigante de má-fé, ou seja, aquele que alterar a verdade dos fatos (art. 17, II do mesmo
Código). Então, o primeiro dever do bom redator é procurar alcançar a verdade naquilo que
escreve, evitando todo desvio de argumentação, sofismas ou imprecisões, que esvaziam o
bom texto.
Clareza
O fácil torna-se difícil, graças ao inútil.
(sabedoria popular)
O segundo princípio da boa redação é a clareza. Expressar o pensamento sem
obscuridade é uma arte, que exige muito exercício, até que o redator se acostume a escrever
de forma simples, com frases curtas e objetivas, de fácil compreensão para o leitor.
Certa vez um juiz escreveu na sentença: “Relativamente aos depoimentos das
testemunhas arroladas pelo requerido, são cheias de evasivas, exceção feita à excompanheira, a qual afirma a existência de um imóvel que foi vendido e o valor rateado entre
ambos, o mesmo ocorrendo com um veículo entre ambos adquirido, anotando mais que
haviam adotado um filho durante a vida em comum, sendo que o requerido não pagava pensão
para a criança porque o pai, ao falecimento, deixou o mesmo como seu beneficiário, sendo que
o réu vem pagando um plano de saúde”
É difícil entender todas essas informações, misturadas numa única frase, que trata ao
mesmo tempo de testemunhas, ex-companheira, imóvel, veículo, filho adotado, pensão,
falecimento e (ufa!) um plano de saúde. Aí está um bom exercício de redação: reescrever esse
texto, tornando-o legível e compreensível. Ou, alternativamente, podem tentar aclarar este
conceito, expresso por um acadêmico: “Direito, ao meu ver, é o fenômeno social e só existe,
pois a sociedade necessita do mesmo. Sem sociedade não se teria direito, pois o mesmo não
vive sem a mesma”.
A apresentação gráfica do texto é fundamental para a clareza. Com o uso do
computador, é fácil escolher o tipo e o tamanho das letras, que facilitem a leitura. Deve ser
adotado um padrão de composição (letras, margens, espaços); nada de letras muito miúdas,
ou garrafais, nem de caracteres extravagantes.
Coerência
Eu não consigo entender sua lógica.
(Caetano Veloso)
Uma boa redação deve ser coerente. A palavra “coerência” (do latim “co-haerentia”,
ligação, harmonia) indica a conexão ou nexo entre os fatos, ou as idéias; lógica. Ou seja: é
necessário ter um discurso lógico, se possível calcado no modelo do silogismo, pelo qual,
postas duas premissas, segue-se uma conclusão.
O importante é não se contradizer: uma vez adotada uma tese, ou escolhido um
ponto de vista, cumpre desenvolver o raciocínio pertinente até o fim, usando argumentos bem
encadeados.
Incorreta uma sentença, na qual o juiz considerou que os fatos ficaram provados, o
réu era culpado, mas absolveu-o ... por falta de provas. Pura distração, desatenção, descuido –
o que seja, mas a lógica não pode ser sacrificada: é preciso observar sempre o antecedente
para afirmar o conseqüente.
Essa técnica se adquire com a prática e com a reflexão: pensar antes de escrever; se
necessário, redigir um resumo, um rascunho, ou simples notas que ajudarão a memória
(documentos, folhas dos autos, artigos da lei, precedentes da jurisprudência etc.). O
computador é precioso auxiliar nessa tarefa, bastando que seu usuário saiba dirigir
corretamente suas pesquisas.
Vale lembrar que o Código de Processo Civil considera inepta a petição inicial, entre
outras hipóteses, quando “da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão”, ou quando “contiver pedidos incompatíveis entre si” (incisos II e IV do parágrafo único, do art.
295).
Daí a responsabilidade do advogado ao redigir a inicial, sem dúvida a peça mais
importante do processo. E a própria escolha do tipo de ação a ser ajuizada é tarefa das mais
árduas, que exige o máximo de cuidados técnicos, bom senso e diligência. O mesmo ocorre
com o juiz, que deverá observar os requisitos essenciais da sentença (art. 458 do CPC), o que
às vezes envolve questões muito complexas, nas quais a lógica e a clareza da expressão
disputam, ao lado da verdade, a primazia da boa redação.
Concisão
A concisão é a luxúria do pensamento.
(Fernando Pessoa)
A palavra CONCISÃO, do latim concisione, indica o ato de cortar, de partir em
pedaços; conciso significa cortado, curto, limitado.
No texto de Fernando Pessoa, quer significar que a concisão é a riqueza (a beleza)
do pensamento (luxúria = exuberância, superabundância, viço das flores).
Escrever de forma concisa, ou escrever com concisão, quer dizer ser objetivo, direto,
não repetir idéias ou palavras, não alongar o texto desnecessariamente. O jurista Moniz de
Aragão apontou o defeito da falta de objetividade: "A leitura de peças forenses é
desanimadora. Escritas em linguagem que beira o ridículo pelo palavreado, falta-lhes a
limpidez necessária a esclarecer as questões submetidas a julgamento" ("O Processo Civil no
limiar de um novo século", in "Cidadania e Justiça", Revista da AMB, n. 8, 2000, p. 58).
Nosso Código de Processo Civil é severo no policiamento da linguagem, reiterando
preceitos tendentes a evitar os abusos - art. 282 (requisitos da petição inicial) - art. 302 ("na
contestação, cabe ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição
inicial") e assim por diante.
Não seria necessário que a lei fizesse tais observações, se todos - advogados,
promotores, juízes - cuidassem de escrever de forma concisa, apenas o necessário. A citação
de autores, obras jurídicas, textos legais deve limitar-se ao essencial; inútil transcrever matéria
estranha, precedentes de jurisprudência repetidos, que nem sempre se aplicam com
pertinência ao caso.
Nos trabalhos acadêmicos, sobretudo monografias, teses e dissertações de pósgraduação, permite-se (às vezes é até necessário) desenvolver um pouco mais o texto,
digamos “incrementá-lo” com citações mais longas, em língua estrangeira quando pertinentes,
antecedentes históricos e outras colocações, que o bom estudante, o mestrando ou o
doutorando saberão selecionar. O que se recomenda, apenas, é que esse alargamento não
venha a tornar o texto excessivamente “derramado”, como se o autor tivesse começado a
escrever e não encontrasse a saída para concluir; ou sob outra perspectiva, como se o redator
pretendesse mostrar uma sabedoria esnobe, sem se desculpar perante os demais mortais
pela sua imensa superioridade intelectual.
Enfim, aqui fica uma sábia lição do jesuíta espanhol Baltasar Gracián, da obra "A arte
da prudência", escrita em 1647: "A brevidade é agradável e lisonjeira, além de dar mais
resultado. Ganha em cortesia o que perde pela concisão. As coisas boas, se breves, são
duplamente boas. Todos sabem que o homem prolixo raramente é inteligente. Diga
brevemente e terá bem dito".
Correção
Não é possível dialogar com pessoas que manifestam por escrito a sua incompetência.
(João Guimarães Rosa)
A correção constitui o quinto princípio da boa redação. É preciso escrever em
linguagem correta, que observe as regras gramaticais básicas; caso contrário, o leitor, se tiver razoável conhecimento do idioma, logo perceberá a insegurança do redator e não confiará no texto que está lendo. Se o leitor não confia em quem escreve, fica incompleta a comunicação emissor-receptor e ambos perdem tempo. A experiência indica que primeiro se deve escrever, compor um texto, em torno do qual se irá trabalhar. Não importam eventuais erros, porventura cometidos na primeira redação.
Importa sim é colocar as idéias no papel, para que se possa visualizar o conjunto de palavras.
Daí vem a segunda etapa: ler o que está escrito e começar a corrigir. A correção quase sempre inclui uma série de cortes: riscam-se (deletam-se) palavras inúteis, “enxuga-se” o texto, suprimindo tudo o que for dispensável. Se for o caso, é melhor reescrever – começar nova redação, se a primeira se apresenta imperfeita, a tal ponto que parece estar inteiramente errada (“não era isso que eu pretendia dizer...”).
Feita essa primeira correção, não custa ir ao dicionário para esclarecer algumas
dúvidas. Ao dicionário, ou à gramática, ou ainda aos manuais de redação, que sempre
devemos ter à mão. Assim, aos poucos, o texto vai se aperfeiçoando e ficará “no ponto” que consideramos satisfatório.
Sempre que possível, vale a pena guardar a redação por um dia, deixar que descanse uma noite – no dia seguinte, parece que as dúvidas se desfazem, as idéias estão mais claras. A leitura do texto nos indicará, então, o caminho definitivo: eis a nossa redação concluída, sem pressa, sem afobação e, acima de tudo, correta, o que é motivo de satisfação para nós e, queira Deus, para o nosso leitor...
Embora hoje em dia haja certa tolerância com o uso da linguagem incorreta, o bom
redator não se permite usar expressões inadequadas, tais como “sendo que”, “através” (em lugar de “por meio de”), “o mesmo” (usado como pronome pessoal, em lugar de “ele”),
“inclusive”, “com certeza” etc. A terceira parte deste trabalho trata de questões práticas, relacionando os erros e dificuldades mais comuns na redação.
Precisão
Livra-me, Senhor, da tolice de querer contar todos os detalhes;
dá-me asas para voar diretamente ao ponto que interessa
(Santa Teresa de Ávila – 1515-1592)
A precisão (do latim praecisu, cortado, separado de; cortado a pique) indica a idéia da
redação planejada e incisiva. No texto, é empregada com o sentido de exatidão, rigor sóbrio de linguagem (Dicionário Aurélio).
Em primeiro lugar, é necessário planejar o texto a ser escrito. Um breve resumo, um
esquema, anotações, um rascunho – qualquer coisa deve anteceder a redação, que há de
seguir um roteiro, pelo qual se definirão as dimensões do trabalho. Se se trata de uma prova acadêmica, o aluno deverá calcular o tempo disponível para escrever, a possibilidade de consulta a textos legais (ou a proibição dessa consulta), o espaço de papel que lhe é permitido ocupar e assim os demais fatores que envolvem esse momento crítico da vida estudantil.
Na prova escrita, num concurso público, é necessário dosar o tempo concedido aos
candidatos, tendo em vista que, às vezes, outras questões dissertativas também deverão ser respondidas.
Já quando o trabalho exige maior envergadura (monografias, dissertações etc.) o
planejamento é indispensável, para que resulte um texto preciso, bem desenvolvido mas
“enxuto”, em que se encadeiam todos os princípios da boa redação.
Em segundo lugar, a precisão importa no uso de substantivos e verbos, em lugar de
adjetivos, advérbios e outras expressões vagas e vazias. Não se devem usar expressões como “um grave acidente aéreo, no qual morreram todos os ocupantes do avião” (todo acidente aéreo é grave); “um incêndio pavoroso destruiu totalmente a favela” (o fato em si dispensa o comentário “pavoroso”; o advérbio “totalmente” é dispensável,pois “destruiu a favela” já indica sua destruição total); “a vítima foi despojada de todos os seus haveres” (o adjetivo “todos” é dispensável); “o recurso é completamente intempestivo” (se o recurso está fora de prazo, é intempestivo; se está no prazo, é tempestivo – não existe “completamente intempestivo”).
A precisão da linguagem jurídica também envolve o uso adequado das expressões
próprias da lei, que devem ser adotadas na redação, de preferência a sinônimos ou palavras estranhas ao vocabulário técnico (p.ex. parâmetro, em lugar de critério, princípio etc.; referencial, diferencial e outras palavras inadequadas à linguagem jurídica).
E não há mal em repetir palavras de uso específico (ex. hipoteca, penhora, usucapião), como aliás determina a lei: “expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico”
(Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998) (ver “Redação de atos normativos”,
neste volume).
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